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Entrevista: Heitor Cantarella, Pesquisador do IAC, fala sobre a importância do manejo adequado de fertilizantes nitrogenados

Heitor Cantarella, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com a colaboração de seu aluno de Mestrado em Gestão de Recursos Agroambientais, Rafael de Melo Sousa, falou em entrevista ao GlobalFert sobre a comercialização de Nitrato de Amônio no Brasil e sobre a importância do manejo adequado de fertilizantes nitrogenados.

Heitor Cantarella é graduado em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1974), com mestrado e doutorado em Agronomia – Iowa State University. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em fertilidade do solo, adubação e nutrição de culturas, atuando principalmente nos seguintes temas: análise de solo, recomendações de adubação, eficiência de uso de fertilizantes, nitrogênio. 

1. Como pesquisador na área de análise de solo, recomendações de adubação, eficiência de uso de fertilizantes e nitrogênio, qual a sua visão sobre a utilização da Ureia Estabilizada? Você acredita que ela pode aumentar a eficiência do nitrogênio?

Os fertilizantes de eficiência aumentada devem mostrar redução na perda de nitrogênio a fim de promover aumento na eficiência de uso desse nutriente. Alguns produtos têm sido testados ao longo do tempo em diversos países e têm mostrado resultados positivos em diferentes situações de clima, tipo de solo e manejo. Entretanto alguns produtos são lançados no mercado precocemente, sem a realização de experimentos científicos para comprovar sua eficiência e, assim têm mostrado resultados duvidosos. Dentre os aditivos usados em “fertilizantes estabilizados”, os mais comuns são os inibidores de urease e nitrificação.

No Brasil inibidores de urease são utilizados há vários anos, adicionados à ureia para retardar e diminuir a taxa de hidrólise do fertilizante e, desse modo, reduzir as perdas de N por volatilização de amônia (NH3). O inibidor empregado no Brasil até o momento (há outro em fase final de testes no Brasil) é o tiofosfato de N-n-butil triamida, conhecido pela sigla NBPT, que faz parte de diversas formulações comerciais. O NBPT é também comercializado em diversos países.

Estudos conduzidos pelo grupo de pesquisa do Instituto Agronômico (IAC) mostram que a perda de amônia após aplicação superficial de ureia pode ser muito elevada, podendo alcançar até 65% do nitrogênio aplicado, embora, em condições de campo perdas dessa magnitude não devam ser comuns. Em geral perdas em torno de 15 a 30% do N aplicado são observadas, que são altas. Quando o inibidor de urease NBPT é adicionado à ureia essa perda de N é reduzida, em média, em 60 a 70%. Deste modo, o NBPT não elimina totalmente as perdas de amônia, mas as reduzem significativamente, o que permite o aumento da eficiência de uso do nitrogênio da ureia em comparação com o fertilizante não estabilizado.

O NBPT inibe a hidrólise de ureia por 3 a 7 dias nas condições de solo úmido e com altas temperaturas, típicas do Brasil. Por outro lado, quando se utiliza ureia, o pico de perdas de NH3 por volatilização ocorre entre 3 a 5 dias. Portanto, para a ureia não tratada com inibidor as perdas podem ocorrer muito rapidamente. Para a ureia contendo NBPT, se chover até 5 ou 7 dias após a adubação, o controle das perdas de NH3 é bastante efetivo. Se não chover, o controle é menor, mas, mesmo assim, os dados de pesquisa mostram reduções de perdas iguais ou superiores a 50% em relação à ureia não tratada. 

2. Qual a sua visão sobre a fixação biológica de nitrogênio na cultura de cana-de-açúcar e a importância do manejo adequado de fertilizantes nitrogenados?

A fixação biológica de N (FBN) é um grande sucesso em leguminosas, como a soja, em que praticamente não é necessário aplicar fertilizante nitrogenado. Em outras espécies, a FBN ainda é um desafio. O grupo de pesquisa da Embrapa Agrobiologia estuda há várias décadas o assunto e vem apresentando avanços importantes nessa área. Muitas espécies de bactérias têm sido identificadas, que são capazes de fixar N em gramíneas e outras espécies, mas, o processo não é tão eficiente quanto em leguminosas.

Bactérias fixadoras de N foram identificadas também em cana-de-açúcar e algumas pesquisas apontam que a FBN fornece cerca de 40 kg ha-1 de N para essa cultura anualmente. Porém, a inoculação de bactérias fixadoras de N em cana-de-açúcar tem mostrado resultados inconsistentes e, na maior parte dos casos, sem efeitos sobre a produtividade ou aumento do teor de N na cultura. Desse modo, no presente estágio de conhecimento, a inoculação de bactérias fixadoras de N não permite reduzir as doses de fertilizantes nitrogenados aplicados na cultura.

É provável que a microbiota já presente nos canaviais seja responsável pela fixação de N, quando esta ocorre, ou seja, os microrganismos inoculados não conseguem se estabelecer ou competir com os que já estão lá. Portanto, há muito que pesquisar ainda até que se consiga adicionar microrganismos a essa cultura para reduzir o uso de fertilizantes nitrogenados. A boa notícia é que há muito esforço nesse sentido, por parte de vários grupos de pesquisa no Brasil. Sabe-se, também, que esses microrganismos têm efeito promotor do crescimento de plantas, estimulando o crescimento de raízes, a disponibilização de nutrientes do solo e até efeito sobre alguns microrganismos patogênicos. Espera-se que, com o avanço das pesquisas, o uso prático de bactérias fixadoras de N possa trazer benefícios para a cultura da cana-de-açúcar no futuro próximo. Por enquanto, as boas práticas de manejo de fertilizantes nitrogenados são a melhor maneira de nutrir adequadamente essa cultura e minimizar as perdas para o ambiente.

3. Quais são as melhores práticas para realizar uma análise de solo?

A análise de solo é de extrema importância e essencial para diagnosticar as limitações de fertilidade, as quais afetam a produtividade das culturas e o retorno econômico para o produtor. A análise do solo é fundamental para determinar as doses adequadas de calcário e fertilizantes para cada condição de solo e de cultura, de modo a nutrir as plantas, maximizar a lucratividade e evitar excessos que possam prejudicar o ambiente.

É importante escolher laboratórios de análise de solo de confiança e que utilizem métodos de análise modernos e adaptados para as condições tropicais que prevalecem no Brasil. Além disso, o laboratório deve adotar procedimentos para garantir a qualidade dos resultados, como a participação em programas interlaboratoriais ou ensaios de proficiência, como são conhecidos. Há vários desses programas disponíveis, como o do IAC (http://lab.iac.sp.gov.br).

Para obter uma análise de solo com resultados confiáveis, é muito importante realizar uma amostragem correta de solo, como descrito abaixo:

– Escolha das glebas para amostragem: Divida sua propriedade em glebas homogêneas, nunca superiores a 20 hectares, e, amostre cada área isoladamente, levando em consideração os seguintes detalhes: posição no relevo (solos de morro, meia encosta, baixada etc); cor do solo; textura (solos argilosos, arenosos); cultura ou vegetação anterior (pastagem, café, milho etc); histórico da área (adubações, calagens etc); erosão e drenagem. Em culturas perenes, leve em conta também a idade e variedade das plantas. Áreas com uma mesma cultura, mas com produtividades muito diferentes, devem ser amostradas separadamente. Identifique essas glebas de maneira definitiva, fazendo um mapa para o acompanhamento da fertilidade do solo com o passar dos anos.

– Que ferramentas usar: a coleta das amostras pode ser retiradas com várias ferramentas: trado de rosca, trado holandês, sonda, trado de caneca, trado tubular.

– Como coletar as amostras: de cada gleba devem ser retiradas diversas subamostras, para se obter uma média da área amostrada. Para isso, percorra a área escolhida em zigue-zague e colete 20 subamostras por gleba homogênea. Em cada ponto, retire com o pé detritos e restos de cultura. Evite pontos próximos a cupins, formigueiros, casas, estradas, brejos, currais, estrume de animais, sucos de erosão, depósitos de fertilizantes, calcário ou manchas de solo. Introduza o trado no solo até a profundidade de 20 cm. A terra coletada representa uma porção de solo na profundidade de 0 – 20 cm, raspe a terra da lateral do trado, aproveitando apenas a porção central.

Transfira a terra do trado para um balde ou outro recipiente limpo. Quebre os torrões de terra dentro do balde, retire pedras, gravetos ou outros resíduos e misture bem. Se a terra estiver muito úmida, deixe a amostra secar ao ar. Essa mistura de subamostras retiradas de vários pontos de uma gleba homogênea é chamada de amostra composta e é a que deve ser enviada ao laboratório.

Todas as ferramentas e recipientes usados para a amostragem e embalagem da terra devem estar limpos e, principalmente, não devem conter resíduos de calcário ou fertilizantes.

O agricultor deve identificar as glebas amostradas não só para enviar a amostra ao laboratório, mas, também para manter o registro dos resultados e acompanhar a evolução da fertilidade do solo ao longo dos anos. Esse histórico é importante para ajustes de manejo da fertilidade de modo a evitar que o solo se empobreça – comprometendo a produtividade – ou acumule excesso de nutrientes, ocorra desbalanço entre os mesmos, acidificação ou alcalinização excessivas etc. 

4. Devido à volatilidade do nitrogênioquais seriam alternativas para manejo e nutrição das culturas?

As perdas de N por volatilização de NH3 podem acontecer em qualquer época, mas, se o solo estiver seco, as perdas tendem a ser menores porque a hidrólise da ureia, que antecede a volatilização, pressupõe a presença de água. No entanto, como as perdas de NH3 ocorrem em curtos períodos – geralmente a maior parte das perdas acontece até uma semana após a adubação com ureia, havendo água no solo – chuvas ocasionais em períodos de seca podem desencadear os processos de volatilização.

É importante ter em mente que, em solos ácidos como os predominantes no Brasil, as perdas de N por volatilização não são relevantes quando adubos contendo N na forma amoniacal ou nítrica (nitrato de amônio, sulfato de amônio etc.) são empregados. Assim, a preocupação com essas perdas por volatilização é voltada para a ureia. As perdas de NH3 com o uso de ureia podem ser controladas com a incorporação do fertilizante ao solo. Isso pode ser feito por meio mecânico, enterrando o adubo a 5 cm ou mais, ou por chuva ou irrigação. Nesse caso, são necessários 15 a 20 mm de água, ou seja, irrigações com lâminas menores não resolvem o problema da incorporação, embora possam reduzir um pouco as perdas. Em solos com muita palha, como é o caso da cana-de-açúcar colhida crua, geralmente uma lâmina maior do que 20 mm é necessária.

Assim, há várias estratégias para reduzir perdas por volatilização: para aplicação de fertilizantes nitrogenados na superfície dos solos preferir fontes não sujeitas a perdas de NH3 é uma delas. Porém, dependendo do preço e da disponibilidade dessas fontes no mercado local, a escolha pode recair sobre a ureia. Nesse caso, a melhor alternativa é incorporar o fertilizante ao solo. Outra opção é utilizar fertilizantes contendo inibidores de urease, tendo em mente que esses produtos nem sempre conseguem eliminar as perdas, mas, as reduzem significativamente, como explicado acima.

5. O nitrato de amônio é um produto que pode estar sujeito a complicações no longo prazo devido às restrições impostas pelo exército e bombeiros de cada UF. Você acredita que o produto possa sofrer algum tipo de proibição no país?

De fato, como o nitrato de amônio pode ser usado como explosivo, há restrições crescentes ao transporte e armazenamento desse fertilizante pelas autoridades. Essas restrições ocorrem internacionalmente e não somente no Brasil. Essa é uma das razões – mas não a única – porque novas fábricas de fertilizantes nitrogenados no mundo todo não são feitas para produzir nitrato de amônio. Com isso, a tendência é a redução da participação desse importante fertilizante no mercado. Porém, há muitas indústrias no mundo que ainda produzem esse adubo e ele estará no mercado por muito tempo. Não creio que haja proibição para a produção e comercialização de nitrato de amônio no Brasil, pois esse é um fertilizante muito tradicional no mercado. Além disso, é possível conviver com as restrições de modo a minimizar o risco de que o adubo seja empregado para fins indevidos, embora isso traga alguns incômodos para a indústria de fertilizantes e até para os agricultores. Uma alternativa é reduzir a concentração de N no fertilizante misturando outros produtos, de modo que seu potencial como explosivo seja controlado. Um exemplo é a produção de nitrocálcio, uma mistura de nitrato de amônio e calcário, que já foi muito comum no Brasil e que agora começa a retornar ao mercado. A redução na concentração de N é uma desvantagem pelo aumento do custo de transporte e aplicação, mas, pode ser compensada pela melhoria da qualidade física do produto, pelo fato de agregar Ca e Mg e evitar seu uso como explosivo. De qualquer maneira, há também outras fontes de N que podem ser utilizadas de modo eficiente, sempre levando em consideração as recomendações de boa prática de uso de fertilizantes.

Sobre o IAC

O IAC é um instituto de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Sua área física possui 1.279 hectares e abriga a sede do Centro Experimental Central e mais 12 Centros de pesquisa distribuídos entre Campinas, Cordeirópolis, Jundiaí, Ribeirão Preto e Votuporanga, com estruturas como casa de vegetação e laboratórios.

 

Equipe GlobalFert, 07/11/2016

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