Logística

A caminho do Norte

Uma onda de investimentos, principalmente do setor privado, deve mudar pelo menos parcialmente o cenário da estrangulada logística brasileira nos próximos anos. A aplicação de recursos na construção de terminais portuários fluviais na região norte do país e a concessão de rodovias federais nas principais regiões produtoras de grãos estão entre os projetos mais esperados. As principais apostas se concentram na integração entre estradas e hidrovias. “Há investimentos sendo feitos por diversas empresas, com potencial de transportar 20 milhões de toneladas em cinco anos, criando uma rota alternativa”, observa Ricardo Tomczyk, presidente da Aprosoja-MT. Com isso, as hidrovias poderão responder por mais de 10% do escoamento de grãos da Região Centro-Oeste.

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) estima que 45 milhões de toneladas de grãos produzidos no Centro-Oeste e nas regiões de fronteira agrícola são escoados, principalmente por estradas, para portos do Sul e Sudeste por falta de opções mais próximas às regiões produtoras. Esse quadro está começando a mudar. Recentemente, a Bunge inaugurou uma nova rota de exportação, com a abertura de terminais portuários nas cidades paraenses de Itaituba e Barcarena, o que possibilita o uso do Porto de Miritituba e da Hidrovia Tapajós-Amazonas. A navegação fluvial eliminará mais de 3 mil viagens de caminhão por mês entre Mato Grosso e os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR). A empresa se animou a tocar o projeto depois que o governo anunciou a pavimentação da BR-163, cujo trecho principal liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). No primeiro ano de operação, o complexo terá capacidade para escoar até 2,5 milhões de toneladas de grãos.

A integração entre modais vai proporcionar redução de custos e de tempo. Isso deve criar a necessidade de aumento da capacidade dos portos do Arco Norte. “Com certeza haverá pressão, mas há muitos projetos de terminais privativos que poderão sair do papel”, destaca Hito Braga, professor de engenharia naval da Universidade Federal do Pará.

A promessa de queda de custos logísticos nas estradas do Centro-Oeste começa a se concretizar aos poucos. Nos últimos dois anos, foram licitados 4.800 quilômetros de rodovias interligando Sudeste e Centro-Oeste. Os investimentos previstos nessas concessões somam R$ 32 bilhões em 30 anos. Segundo cálculos do professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral (FDC), a melhoria das estradas tem potencipal para proporcionar redução de custo da ordem de R$ 10 bilhões anuais.

Estradas mal conservadas podem representar acréscimo de 30% no custo operacional do transporte por caminhões. Entram no cálculo quesitos como desgaste de pneus, necessidade de reposição mais frequente de peças e consumo adicional de combustível. Levando-se em conta o deságio das licitações, de cerca de 50%, a cobrança de pedágio deve representar aumento de 12% nas despesas, mas as estradas em melhores condições podem “devolver” parte do custo operacional extra. “Essa diferença de 18% entre a despesa operacional e o pedágio irá direto para o bolso do transportador”, comenta Resende.

Estudo da FDC realizado em 2012 apontava que o custo logístico consumia 13,1% da receita bruta de um grupo de empresas com faturamento somado de mais de R$ 1 trilhão. Por conta da matriz desequilibrada de transporte, 45% desse custo estava relacionado aos fretes de longa distância por rodovia. “Então os 18% cairiam sobre esses 45%, o que pode representar queda de 0,7 ponto percentual sobre o custo total logístico, que baixaria para 12,4%”, afirma o especialista. É com base nesse dado que ele calcula a economia de R$ 10 bilhões por ano.

A economia poderá aumentar ainda mais. Novas rodovias deverão ser concedidas até o início do próximo ano. Entre os potenciais candidatos estão os lotes compostos pelas BR-163 e BR-230, entre Sinop (MT) e o Porto de Miritituba (PA), com 976 quilômetros, e o trecho da BR-364 e da BR-060 de Jataí (GO) a Rondonópolis (MT), cortando quase perpendicularmente o eixo da BR-163. “Esses movimentos irão fortalecer a criação de mais rotas eficientes”, destaca Tomczyk.

Para transportar a produção até o porto, produtores de soja gastam US$ 85 por tonelada, quatro vezes mais que seus concorrentes na Argentina e nos Estados Unidos. Tivessem uma logística igual à dos principais competidores, os brasileiros poderiam embolsar até R$ 6 a mais por saca, calcula a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). A ineficiência é resultado da desequilibrada matriz de transportes: cerca de 60% dos grãos no Brasil são escoados por rodovia, outros 30% seguem por ferrovia e apenas 10% por hidrovia.

Para que a matriz não se mantenha desequilibrada, dizem os especialistas, será essencial destravar o novo modelo ferroviário, criado pelo governo em 2012, mas ainda inativo. A expectativa é que no início de 2015 sejam realizadas as primeiras licitações sob a nova regulação, que prevê a construção e a operação das ferrovias pelos vencedores. Toda a capacidade de carga será comprada pela estatal Valec, para assegurar a receita dos operadores. Se a demanda for menor que a capacidade, o prejuízo será do governo. Estima-se que o subsídio chegue a R$ 40 bilhões em 35 anos de concessão. “O atraso nas ferrovias e nos portos pode criar aumento de custo para alguns setores que não têm representatividade nas rodovias concedidas, como o de fertilizantes, enquanto a expansão para a Região Norte, que deveria ser com hidrovias e ferrovias, continua lenta”, observa Paulo Resende.

Outro gargalo está nos portos. Desde o ano passado, o governo federal se prepara para lançar à iniciativa privada editais de licitação de mais de 100 terminais e realizar as primeiras concorrências do sistema portuário. Mas há pendências jurídicas. Um dos principais impasses reside em cerca de 30 contratos de concessão antigos, existentes antes da legislação de 1993. Muitos deles já expiraram ou estão prestes a vencer. A lei de 1993 previa que esses acordos deveriam ser adequados à nova legislação antes de renovados ou extintos, mas a norma nunca foi regulamentada. Esperava-se uma renovação dos contratos, mas a Constituição não permite que isso ocorra sem nova licitação. O impasse afeta grandes empresas do setor de energia e do agronegócio, como Cutrale, Bunge e Cargill.

“Essa mudança de regras poderá trazer um imbróglio jurídico de difícil solução”, alerta o advogado Renato Poltronieri, da Demarest Advogados. Um cliente da empresa, com contrato anterior a 1993, opera com base em liminar em suas operações no Porto de Santos.

Revista Globo Rural, 21/10/2014

Imagem: Editora Globo

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